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Filme que todo fotógrafo deve assistir: Simplesmente Martha


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Simplesmente Martha nos impressiona a partir de seu tratamento estético e afetivo da imagem, da comida e da intimidade, observando como a mise-en-scène e a fotografia constroem a subjetividade da protagonista. A obra é relacionada ao cinema sensorial contemporâneo e a produções que exploram o alimento como linguagem emocional. São integradas reflexões de Roland Barthes, Laura Marks, Gaston Bachelard e críticos de cinema, além de referências a outros filmes que trabalham corpo, gesto e cuidado.


Simplesmente Martha acompanha a vida de uma chef de cozinha rigorosa, disciplinada e emocionalmente contida, que encontra na culinária não apenas profissão, mas forma de existir no mundo. A cozinha é, aqui, extensão de seu corpo e temperamento: medida, controle, precisão.

A fotografia do filme opta por planos sensíveis, quentes e próximos, com texturas da comida em foco não como ornamento, mas como linguagem emocional. Como define Laura Marks (2000), trata-se de um cinema de “haptic visuality”, onde “a imagem não apenas mostra, mas convida o espectador a sentir a textura do mundo com os olhos”.

A comida não é cenário, é narrativa, é afeto.


Segundo Roland Barthes (1980), “há afetos que se dizem no silêncio, no gesto que se repete, na ritualidade do cuidado”. Em Martha, cozinhar é sua forma de amar mesmo quando ela ainda não sabe disso.


O filme revela a fragilidade das identidades que se constroem pelo excesso de autocontrole. Após a chegada da sobrinha Lina, a disciplina começa a se desfazer. A câmera acompanha essa transformação com enquadramentos que se tornam progressivamente mais suaves, luminosos e próximos, sugerindo abertura afetiva. A chegada de Mario (Sergio Castellitto), chef italiano expansivo e sensível, introduz uma contraposição estética e emocional:

  • Martha = rigor, silêncio, forma.

  • Mario = improviso, riso, corporalidade.


A crítica Molly Haskell (2003) destaca que o filme “constrói o amor como aprendizado da reciprocidade, não se trata de complementar, mas de deslocar a si para encontrar o outro”.


Na mise-en-scène, isso se expressa na passagem de tons frios e cozinhas industrializadas para cenas iluminadas por luz natural, cores mornas, cozinhar junto à mesa, comer no quintal, a imagem se torna espaço de calor e partilha. Aqui, o alimento representa o que Bachelard (1994) chamaria de “matéria da memória emocional”: cada prato carrega lembrança, afeto, ausência, desejo.

  • A sopa que não tem gosto é o luto.

  • O prato improvisado é a confiança.

  • A mesa compartilhada é a cura possível.

Como afirma Laura Esquivel (1990) em diálogo possível com o filme “cozinhar é tocar o outro por dentro”.


Aqui algumas selecionamos algumas relações com outras obras:

Filme

Diretor

Relação estética e temática

Como Água para Chocolate (1992)

Alfonso Arau

A comida como expressão de afetos e emoções ocultas.

Ratatouille (2007)

Brad Bird

A cozinha como espaço de criação, liberdade e identidade.

Comer, Rezar, Amar (2010)

Ryan Murphy

Percurso afetivo de reconexão sensível consigo mesma através do alimento.

O Sabor da Vida / The Taste of Things(2023)

Tran Anh Hùng

O amor como cozinha e a cozinha como amor — imagem como cuidado.

Essas obras partilham de um cinema onde o afeto é central e a imagem é tátil, sensorial, próxima do corpo.


Simplesmente Martha é um filme sobre aprendizagem do sentir. Ele nos lembra que o cuidado é uma forma de linguagem e que a intimidade se constrói lentamente, no gesto comum, na repetição cotidiana. A fotografia, a mise-en-scène e a comida funcionam como gramáticas emocionais, convidando o espectador a ver com os olhos, mas também com a pele, com o paladar e com a memória.

É um cinema que não grita, cozinha.


Referências

  • BACHELARD, Gaston. A Poética do Espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1994.

  • BARTHES, Roland. Fragmentos de um discurso amoroso. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1980.

  • HASKELL, Molly. From Reverence to Rape: The Treatment of Women in Movies. Chicago: The University of Chicago Press, 2003.

  • MARKS, Laura. The Skin of the Film: Intercultural Cinema, Embodiment, and the Senses. Durham: Duke University Press, 2000.

  • NETTELBECK, Sandra (Dir.). Bella Martha. Alemanha, 2001. Filme.

  • ESQUIVEL, Laura. Como Água para Chocolate. Rio de Janeiro: Record, 1990.

 
 
 

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