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Quando a câmera se aproxima do indizível: Diane Arbus, alteridade e o ato de ver


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Este artigo discute a trajetória da fotógrafa norte-americana Diane Arbus (1923–1971) em diálogo com o filme A Pele (Fur, 2006), de Steven Shainberg, compreendido não como biografia, mas como construção poético-narrativa sobre o despertar artístico. Analisa-se como Arbus rompeu convenções de gênero, deslocando-se da fotografia de moda para o registro de pessoas marginalizadas, corpos e identidades tidas como “estranhas”, contribuindo para a consolidação de uma ética do olhar baseada na alteridade. A partir de autores como Susan Sontag, Georges Didi-Huberman, Judith Butler e Linda Nochlin, argumenta-se que Arbus reposiciona a mulher como sujeito do olhar, e não apenas como objeto dele, desestabilizando normas estéticas e sociais. Por fim, discute-se a permanência de sua influência em fotógrafas posteriores, como Nan Goldin, Cindy Sherman e Graciela Iturbide.


Por muito tempo, afirmou-se que a fotografia seria um meio destinado a registrar o mundo tal como ele é. Entretanto, Diane Arbus mostrou que o mundo é também aquilo que evitamos olhar. Sua obra desloca os limites do visível, colocando em suspensão noções de normalidade, beleza e humanidade. Em um contexto no qual às mulheres era reservado um espaço restrito na produção fotográfica, muitas vezes domesticado, decorativo ou vinculado à moda, Arbus reivindicou um olhar autoral que se aproxima do estranho para escutá-lo, e não para julgá-lo.

Como afirma a própria artista “Uma fotografia é um segredo sobre um segredo. Quanto mais ela te diz, menos você sabe.” (ARBUS, 1968).


Nos anos 1950 e 1960, o campo da fotografia artística era amplamente dominado por homens, como Cartier-Bresson, Robert Frank e Richard Avedon. À mulher, como destaca Linda Nochlin (1971), não faltavam talento ou vocação, mas acesso, legitimidade e espaço institucional.


Arbus inicia sua carreira em fotografia de moda ao lado de Allan Arbus, porém, o ambiente altamente normativo desse campo não contemplava seu impulso investigativo. Sua ruptura ocorre quando se aproxima do universo marginal, circos, comunidades alternativas, nudistas, performers, pessoas com corpos atípicos. Arbus não registra o “exótico” para confirmá-lo como estranho, ela o desconstrói, revelando a humanidade que nele habita.


A potência da obra de Arbus reside na relação direta entre fotógrafo e fotografado. Seus retratos são frontais, confessos; seus personagens sustentam o olhar de volta. É o que Didi-Huberman (2010) formula ao afirmar que “Ver é ser tocado por aquilo que nos olha.” Nessa relação, a fotografia não é captura, mas encontro, e, Judith Butler (2004) complementa “Tornamo-nos sujeitos na relação com aquilo que nos excede.”


Arbus reconhece que aquilo que a sociedade rejeita é justamente o que nos devolve perguntas fundamentais sobre quem somos.


O filme A Pele (Fur, 2006) não se compromete com a precisão biográfica. Sua escolha formal é outra: dramatizar o momento de passagem entre o olhar domesticado e o olhar que se permite afetar.


Lionel (Robert Downey Jr.), personagem fictício coberto de pelos, funciona como metáfora da alteridade. Ele encarna aquilo que a cultura rejeita como anormal, mas cuja presença convoca Diane ao reconhecimento do outro como espelho. Como observa Sontag (1984) “Suas fotografias não explicam: expõem”, e, o filme opera no mesmo registro: expõe o processo interno que conduz Diane à sua linguagem.


5. Comparações cinematográficas

Filme

Diretor

Relação estética/temática

O Homem Elefante (1980)

David Lynch

Humanização da figura “monstruosa”; ética do olhar.

Peixe Grande (2003)

Tim Burton

Realismo mágico como leitura sensível do outro.

Mapplethorpe (2018)

Ondi Timoner

Corpo como campo político da representação.

Retrato de uma Jovem em Chamas (2019)

Céline Sciamma

O olhar como gesto de amor e reconhecimento.

Em todos, ver é um ato ético.


Fotógrafas que herdam seu gesto:

Fotógrafa

Contribuição

Herança de Arbus

Nan Goldin

Intimidade crua e afetiva

Vulnerabilidade como linguagem

Cindy Sherman

Identidade como construção performativa

Desconstrução do rosto social

Graciela Iturbide

Corpos, rituais e culturas marginais

Diferença como potência poética

Arbus deslocou o olhar feminino do sentimental para o crítico-poético, onde ver é gesto político.


Diane Arbus rompeu as fronteiras do aceitável, instaurando um modo de ver que acolhe o desconforto como dimensão da existência. Seu trabalho não celebra o exótico, mas questiona o normal. A Pele traduz esse movimento interno como narrativa sensorial: o percurso da mulher que, ao aprender a ver o outro, aprende também a ver a si. Arbus abriu caminho para que mulheres não precisassem pedir permissão para olhar.


Referências


ARBUS, Diane. Diane Arbus: Revelations. New York: Random House, 2003.

BUTLER, Judith. Deshacer el género. Barcelona: Paidós, 2004.

DIDI-HUBERMAN, Georges. O que vemos, o que nos olha. São Paulo: Editora 34, 2010.

NOCHLIN, Linda. Why Have There Been No Great Women Artists? ArtNews, 1971.

SONTAG, Susan. Sobre Fotografia. São Paulo: Companhia das Letras, 1984.



SHAINBERG, Steven (Dir.). Fur: An Imaginary Portrait of Diane Arbus. EUA, 2006. Filme.


O filme que retrata a vida da fotógrafa americana conhecida por fotografar pessoas e situações consideradas "estranhas" ou fora do comum é "A Pele" (título original: Fur: An Imaginary Portrait of Diane Arbus). 


  • Fotógrafa:

    Diane Arbus (1923-1971).

  • Nome do Filme:

    "A Pele" (ou Fur nos países de língua inglesa).

  • Ano de Lançamento:

    2006 (no Brasil, 2007).

  • Elenco Principal:

    Estrelado por Nicole Kidman como Diane Arbus e Robert Downey Jr..

  • Detalhe Importante:

    O filme é um "retrato imaginário" e não uma biografia tradicional, misturando fatos da vida de Diane com elementos ficcionais, como o relacionamento com um vizinho enigmático que a inspira a encontrar sua própria voz artística. 


Diane Arbus foi uma fotógrafa icônica, famosa por suas imagens em preto e branco de pessoas marginalizadas, performers de circo, nudistas e indivíduos que ela via como "aberrações" ou simplesmente diferentes da norma social, buscando revelar a beleza e a humanidade no que era considerado bizarro pela sociedade da época

 
 
 

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