Planeta Islândia - artigo de Marcelo Portella para a Revista Sala de Fotografia
- Sala de Fotografia
- 7 de jan. de 2020
- 11 min de leitura
Marcelo Portella é fotógrafo e membro da Rede de Produtores Culturais da Fotografia no Brasil. Neste artigo, ele conta a sua experiência em expedições fotográficas ao país Europeu. www.dreamscapes.com.br

Tudo começou na minha primeira viagem para a Islândia, em Setembro de 2013. Tinha em mente o objetivo de planejar uma expedição para fotógrafos e entender com meus próprios olhos porquê a Islândia começava a ser tão cobiçada por fotógrafos do mundo inteiro. Jamais poderia imaginar que esta seria a primeira expedição de muitas que estariam por vir.
Durante o planejamento, percebi que os cenários entre o inverno e o verão eram muito distintos. Como estaria na Europa em agosto, optei por essa época e dei a volta ao redor dessa ilha de 103 mil km2. Aos poucos, fui entendendo a complexidade e as várias faces do país de cultura marcante e com paisagens surreais desenhadas pela força da natureza – e que sofre uma constante transformação pelos quatro elementos: terra, ar, fogo e água. Foi uma grande surpresa saber que a Islândia é considerada geologicamente jovem. A coexistência de gelo e fogo, por exemplo, torna a ilha única e sedutora para quem curte fotografar natureza e paisagens.
Antes mesmo do final da viagem, cheguei à conclusão que seria importante voltar no inverno para complementar a experiência. Feito isso, escolhi a época de frio por ser a mais interessante para montar a primeira expedição, e de forma definitiva a Islândia entrou para o meu calendário de destinos fotográficos.
A estrutura oferecida é muito boa, com acesso fácil para muitos atrativos e uma estrada principal que dá a volta em toda a ilha. Mas como o tempo pode mudar inesperadamente, estar despreparado para rodar por lá pode ser um erro muito grave – principalmente com neve ou gelo na estrada. Por essa razão, a logística e o planejamento são fundamentais, pois muitas vezes só se tem cerca de 30 a 60 minutos de luz ideal.
Cachoeiras islandesas
As cachoeiras fazem parte de todos os roteiros e estão presentes em todas as regiões e com diversos formatos, sendo quase impossível apontar a mais atraente. Para fotografá-las, a técnica é simples, quase uma receita de bolo, fácil de ser seguida. No geral, faz-se uma foto de longa exposição de pelo menos 1 segundo para dar a sensação de movimento, quanto maior for o tempo de exposição, maior será o efeito da água borrada. É necessário utilizar um tripé bem firme, um cabo disparador ou o modo temporizador automático para manter a câmera estável durante a captura, tapar o ocular do visor para evitar a entrada da luz e para as fotos feitas sob a luz do dia, é fundamental o uso do filtro ND (Densidade Neutra), pois sem ele não conseguiremos velocidades mais lentas. Os filtros de densidade neutra tem a função de reduzir a quantidade de luz que entra pela lente da câmera, permitindo dessa forma usar velocidades mais lentas do obturador. Existem uma ampla gama de filtros ND, de 1 até 16 stops.

Usando o filtro ND sob luz do dia
- Monte a câmera no tripé e faça a composição da sua imagem antes mesmo de encaixar o filtro ND;
- Configure ISO 100, a abertura em f:16 e o Balanço de Branco no modo Automático;
- Faça a medição de luz para determinar o tempo de exposição (recomendo usar o modo de fotometria Matricial), faça um teste de exposição e avalie se é necessário fazer algum ajuste na composição ou na fotometria.
- Agora encaixe o filtro ND e faça a "Compensação da Exposição".
- A compensação pode ser feita por uma conta básica, uma tabela impressa ou um aplicativo no celular.
- Exemplo com filtro ND 6 stops ou ND 6 pontos:
valor da exposição antes do filtro: 1/30 seg, f: 16 e ISO 100.
Para cada ponto (stop) do filtro, é necessário diminuir 1 ponto ou reduzir a metade do valor da exposição, sendo assim: 1/30s para 1/15s (1 ponto), depois 1/8s (2 pontos), 1/4s(3 pontos), 1/2s (4 pontos), 1 segundo(5 pontos) e finalmente 2 segundos (6 pontos).
Lembre de tapar o visor da ocular, usar o cabo disparador ou o modo temporizador automático, pois isso evita movimentar a câmera, e faça a sua foto. Alguns filtros alteram a tonalidade da imagem, mas isso pode ser solucionado facilmente no Lightroom ajustando o balanço de branco.
Durante a expedição, uso os cenários de cartão-postal para ensinar os fundamentos, mas instigo os fotógrafos da expedição a usar ângulos não tradicionais e diferentes distâncias focais para fugir do óbvio. A Detifoss, por exemplo, é a cachoeira com maior volume d'água da Europa. Com um corte com a lente de 50 mm, e não uma grande angular como de costume, conduzo o olhar do espectador para dentro da cachoeira, com a falsa impressão que estava no meio da corredeira. Aumento o impacto da cena trazendo o volume, textura e movimento da água.
Já na famosa Seljalandsfoss, que no inverno tem o entorno coberto por gelo e neve, me distancio do véu da cachoeira e ao contrário da anterior, uso a lente grande angular com a distância focal em 14mm, a câmera montada no tripé regulado entre 40 e 70cm de altura, inclinada cerca 40o para baixo com o objetivo de enfatizar a curva do rio em primeiro plano e afastar a cachoeira no plano de fundo, criando assim uma relação visual entre o próximo e o distante. A grande angular exagera a importância do primeiro plano e aumenta a sensação de profundidade – apesar de o foco estar no plano mais próximo, toda a cena está nítida. Algumas dicas: observe bem todos os elementos da cena, use os elementos geométricos para conduzir o olhar do espectador e faça a distorção causada pela lente trabalhar a seu favor.
Para a fotogênica Aldeyjarfoss, trabalhei novamente com a grande angular, aproveitando o seu entorno como uma moldura. Já para a foto noturna, planejei uma exposição de 10 minutos e usei uma lanterna LED potente para trazer mais detalhes das colunas de basalto, que formam a parede do cânion. Durante o tempo de exposição, me mantive afastado da câmera e movimentei a lanterna nas mais variadas direções.

O controle da luz
Sempre planejo fotografar em horários extremos, considerando chegar ou sair cerca de 90 minutos antes ou depois do pôr do sol. O benefício é poder registrar as cores incríveis do Cinturão de Vênus e da Sombra da Terra.
O Cinturão de Vênus é um fenômeno atmosférico que produz uma faixa de cor rosa entre a sombra da terra e o céu azul. Já a Sombra da Terra acontece na medida em que a Terra gira e a atmosfera passa a não refletir mais a luz solar direta, tendo a sua sombra projetada na atmosfera.
O cenário planejado contemplou a formação rochosa Reynisdrangar, que após o pôr do sol ganha cores incríveis. A cena mais clássica seria fotografar a partir da Reynisfjara, também conhecida como a Praia de Areia Negra, mas por ser um lugar famoso, fica absurdamente lotado e pode ser impossível conseguir um bom ângulo – e esse tem sido um problema com a fama crescente dos incríveis cenários islandeses.
Um dos lugares mais mágicos para enquadrar o nascer do sol é a Diamond Beach, nome dado em referência aos blocos de gelo provenientes da Lagoa Glacial Jökulsárlón. Eles navegam pelo Rio Jökulsá e vão de encontro ao Oceano Atlântico. Ao bater na água, sofrem uma espécie de polimento e chegam à areia brilhando como diamantes. Sem ver a imagem, creio que seria impossível imaginar uma praia de areia negra repleta de blocos de gelo polidos. Poderia ser uma pintura surrealista de Salvador Dalí.
A dica para fotografar cenas assim é usar velocidades mais baixas entre 1 e 3 segundos, criando um rastro de água para ter grafismo incrível, complementado pelo contraste entre a areia negra e os blocos de gelo. Mesmo em dias nublados, são inúmeras as possibilidades de criação. Previamente, discuto com o grupo as possibilidades de composição e os fundamentos técnicos para eliminar a preocupação de alguém não conseguir registrar a cena como desejada.

Olho na fotometria
Fotografar em um lugar totalmente coberto de neve demanda atenção com a fotometria, pois quanto mais intenso o branco, maior será o desvio de leitura do fotômetro e a cena ficará escura. Chamo a atenção do grupo para lembrar de compensar entre +1 e +2 pontos e sempre recomendo fazer testes de leitura de luz e avaliar o histograma da imagem. Outra dica é capturar em formato RAW, o que sempre aumenta as possibilidades de ajuste nas pós-produção, até mesmo reparar pequenos erros.
Os cavalos islandeses, por exemplo, são belos e extremamente dóceis, um bom tema para fotografar na neve. Com uma teleobjetiva (135 mm) para não ficar muito próximo, priorizei a velocidade mais alta (1/1000s), pois queria trazer o máximo de detalhes e usei a abertura 8.0. Fiz a compensação de 1 ponto e 1/3 por causa do chão de fundo extremamente branco e porque parte do pelo do animal também era branco. Nesse tipo de cena na qual o branco é predominante, ocorre um desvio na medição de luz da cena interpretada pelo fotômetro, já que ele é calibrado para medir sobre o cinza 18%. Por este motivo, é necessário corrigir esse desvio de interpretação e compensar a sua fotometria. Neste caso, a fotometria na cena indicava a velocidade do obturador 1/2500. Eu já sabia que a foto ficaria escura, então busquei uma outra parte da cena com a mesma intensidade de luz, porém com um tonalidade mais neutra, e fiz uma nova fotometria. Como a intensidade da luz não estava variando, pude manter a 1/1000s e f8.0 durante toda a sessão de fotos.
Outra grande aventura da expedição durante o inverno é fotografar a Caverna de Gelo, quando é preciso usar superjipes 4x4 para chegar aos pés do glaciar Breiðamerkurjökull. Depois, ainda há uma caminhada de cerca de 1h até alcançar a caverna. O desafio lá é lidar com a diferença de luminosidade, principalmente quando se usa a lente grande angular – uma ótima opção é utilizar a técnica do HDR, tanto o Lightroom quanto o Photoshop fazem isso muito bem, mas existe também outra boa solução, o Photomatix. O ideal é fazer a fotometria na alta e na baixa luz e daí calcular quantas fotos serão necessárias para compor o HDR numa só foto.
O modo mais prático é configurar o bracketing na sua câmera para 3 fotos com incrementos de 2 pontos, sendo uma para mais e outra para menos, utilizar um tripé estável, escolher o formato RAW que tem mais qualidade do que o JPEG e usar o temporizador automático que dispara as fotos sequencialmente. Após o disparo, serão feitas 3 fotos com exposições 0EV, -2EV e +2EV (Valor de Exposição). Importe as fotos para o Lightroom, selecione os 3 arquivos, e no menu superior "Foto" escolha a opção "Mesclar Fotos > HDR". Marque a opção "Alinhamento automático", desmarque "Configurações automáticas", escolha a opção "Nenhuma" em Intensidade de Deghost, marque a opção "Criar pilha" e finalmente clique no botão "Mesclar". A partir dessas 3 fotos, o Lightroom cria um novo arquivo no formato DNG com mais qualidade no qual você poderá tratar da sua forma habitual.
As Highlands islandesas
No outono de lá, em setembro de 2017, na minha sétima viagem para a Islândia, decidi conhecer as Highlands. Foi uma das aventuras mais desafiadoras que fiz, pois enfrentei o desconhecido em regiões inóspitas dirigindo por longas distâncias, cruzando rios, entre outros detalhes. Isso tornou a jornada ainda mais enriquecedora e divertida, pois sabia dessas possibilidades. A região oferece paisagens complexas, com cadeias de montanhas multicoloridas cortadas por rios, vulcões, lagos e um fascinante deserto de areia negra. Estar sozinho no meio dessa natureza tão bruta desperta a sensação de solitude criativa.
Aproveitei para fotografar com um drone para ter um outro ângulo de visão, complementando um projeto que tenho de exposição ou fotolivro.
Produzi imagens verticais usando o DJI Mavic Pro, incluindo a montagem de um panorama com várias fotos feita no Lightroom. Usei ainda a DSLR para produzir imagens com mais qualidade e para me inserir no enquadramento, humanizando a cena e criando um ponto de referência.
Uma das áreas mais populares e talvez a mais bonita na região das highlands é o Vale de Landmannalaugar, uma espécie de oásis geotérmico, situado na parte sul da região. A região é cercada por diversas montanhas, algumas multicoloridas - combinando tons de amarelo, vermelho, inúmeras tonalidades de verde e o branco da neve que aumenta o contraste da cena.

No coração do vale foi desenvolvida um estrutura turística com um grande alojamento com beliches e cozinha, banheiros completos, área coberta para refeições e uma piscina natural com águas termais que ficam lotadas durante o verão - que sem dúvida é a melhor época para visitação, pois no inverno apenas para os superjipes podem ter acesso.
Uma das melhores maneiras de explorar essa região é fazer algumas das caminhadas entre as montanhas e os campos de lava, pois no meio das montanhas não é permitido passar nenhum tipo de veículo e existem caminhadas de diversos níveis: basta escolher aquelas que mais se adequam ao seu perfil, reorganizar a sua mochila fotográfica e conhecer uma das regiões mais lindas e fotogênicas da Islândia. Algumas pessoas que já foram à Islândia no inverno estão voltando comigo para conhecer as Highlands, pois ficam fascinadas em ver como as paisagens são complementares e fascinantes em suas diferentes estações.
Aurora Boreal
Falar de fotografar na Islândia é quase sinônimo de registrar a Aurora Boreal. Lá, como em outros lugares da região do Círculo Polar Ártico, muitos guias se denominam Caçadores de Aurora. Sob esse prisma, fiz uma caçada audaciosa: saí do coração das Highlands, dirigi 380 km para chegar à região Noroeste do país, em especial uma formação rochosa chamada Hvitserkur. Já próximo do destino, os fachos verdes começaram a aparecer no céu (foi importante controlar a ansiedade e acreditar que chegaria a tempo) após 7h de viagem. Ainda foi preciso caminhar 30 minutos, e a recepção não poderia ter sido mais emocionante: a Aurora Boreal refletida na água sob pedra e tornando o céu completamente verde.
Com tudo mentalmente pronto, comecei a registrar o cenário e não hesitei em tomar duas decisões: usar o intervalômetro para fazer uma sequência de fotos que poderia virar um time-lapse e fazer um light painting para trazer os detalhes da formação rochosa. Fotografei durante 1h15, e depois brindei com meu amigo Marcos que me acompanhou durante toda a viagem com a maravilhosa sensação de dever cumprido.
Os requisitos para fotografar a Aurora Boreal, são similares aos da fotografia da via láctea. Recomendo usar baterias 100% carregadas, limpar bem a lente da objetiva, remover o filtro UV, usar uma lente grande angular para combinar primeiro plano e céu na mesma foto, escolher um tripé estável, cabo disparador, usar foco manual, tempo de exposição de 30 segundos e, dependendo da sua lente, usar a abertura f: 2.8 ou f:3.5. O ISO pode variar de acordo com a intensidade dos fachos de luz. Quando estão muito intensos, o ISO 1600 pode ser suficiente, evitando perder os detalhes nas áreas mais luminosas, e quando estão mais difusos, com fachos menos intensos, é necessário o ISO 6400 para trazer todos os detalhes.
É muito importante proteger bem o corpo contra o frio, pois na empolgação podemos ficar algumas horas fotografando, e sem a proteção adequada podem haver sérias consequências. Compre alguns pares de hot warmers, que são pequenos pacotes aquecedores que podem ser usados para aquecer as mãos e os pés, certifique-se de estar usando meias secas, pois é normal depois de algumas horas transpirar próximo aos dedos dos pés, então trocar a meia pode ajudar bastante, proteja bem a região da cabeça e tórax, carregue luvas e gorro sobressalentes na mochila, trabalhe com 2 pares de luvas, um mais fina para não perder totalmente o tato e não expor a mão ao frio e outra mais grossa, de preferência sem as pontas dos dedos, e use de forma sobreposta e SEMPRE esteja preparado para a Aurora.
Ver e fotografar a Aurora Boreal tornou-se um item quase que obrigatório para quem vai à Islândia, sejam fotógrafos ou não. O foco das minhas expedições é a fotografia, mas existem viajantes que querem apenas participar dessa experiência. Programo saídas para diversos locais, considero a fase da lua, monitoro as possibilidades e as condições climáticas, entrego um tutorial ilustrado, tudo com o objetivo de tentar garantir que o grupo consiga voltar com a imagem na memória e a foto na câmera. Mas na fotografia de natureza nada é garantido, incluindo as condições meteorológicas, que por muitas vezes podem fechar a estrada por dias. Por isso, planejamento, monitoramento constante e experiência fazem total diferença no conforto e segurança do grupo.
Considerando a característica de estação, em meados de fevereiro, no inverno, percorremos as regiões sul e sudeste e em meados de setembro, no final do verão, as regiões Norte, Nordeste e as Highlands com o objetivo de mostrar as diversas faces do Planeta Islândia. A cada Expedição sempre descubro algo novo, sempre renovo o desejo e a paixão em descobrir novos lugares e a maior recompensa é poder levar cada
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